Wednesday, May 30, 2007

Façam como eu: benzam-se

Depois de 25 anos de braço dado com um partido político, com os devidos retornos financeiros em salões paroquiais, capelinhas e afins, em detrimento de outras confissões religiosas, o Bispo Emérito do Funchal vai viver a reforma (dourada) num palacete. E não poderia ser de outra forma, para um homem que deixou a diocese "mais rica", que autorizou casamentos folclóricos na Sé Catedral, que defendeu para lá do defensável um padre condenado por homicídio e fartou-se, fartou-se de inaugurar.
Já no restauro do património imóvel, o ex-bispo foi mais comedido. Não houve verba para muita coisa, como para recuperar o edifício que serviu de instalações à Escola Bartolomeu Perestrelo, sobre o qual o governo pagou uma renda elevada e a diocese ainda queria mais algum para fazer obras. Mas sempre conseguiu arranjar alguns trocos para restaurar um palacete para a reforma.
É aí, com certeza, que vai continuar a zelar pelo rebanho que tão bem guardou durante os últimos 25 anos, e pelo qual namoriscou a Quinta Vigia. É aí, modestamente instalado, no edifício com seis quartos, sala de jantar, copa, cozinha e duas casas de banho, distribuídos por dois andares, que vai continuar com aquele ar solene e angélico com que respondeu às críticas que lhe eram dirigidas por muitos padres. E é aí, na área ajardinada e no terreno com bananeiras que rodeia a 'casita', que D. Teodoro Faria vai cimentar o 'cantinho no céu' que ganhou nestes últimos anos, a ajudar um povo que é muitas vezes enganado por quem o governa.
Eu, que ainda não tenho lugar assegurado no paraíso, sempre que passar pela Calçada da Cabouqueira, vou olhar para o ex-futuro lar de padres idosos e benzer-me três vezes.

Tuesday, May 29, 2007


Uma frase solta numa parede branca,
debruçada no silêncio de uma rua que passa sem crianças,
uma manhã sem sol,
sem chuva,
sem tempo.
Um velho de palha dourada,
respirando uma baforada roubada,
o ar que chicoteia a mão cansada,
estilhaçando o espelho.
E tu que não dobras a esquina,
que te escondes atrás do horizonte,
atrás das horas que não passam,
que derretem-se em lágrimas de suor.
E tu que te deitas para além do mar,
numa noite que tento mas não consigo agarrar,
que desvanece ao fundo da rua,
onde não chega nem a sombra da Lua.
E tu que dormes de olhos fechados,
sonha até aqui e lê o que diz a parede branca:
"em cada bairro: revolução",
abraça-me e escuta o que fala o meu coração.

Monday, May 28, 2007

Podes não acreditar, meu amor,
mas eu digo,
sempre que os meus olhos se fecham,
sempre que o sono reclama a sua parte do dia
ou a realidade chega demasiado real para ser olhada de frente,
é a tua imagem que me pertence,
que aparece em mim desenhada,
a fazer-me companhia.

E eu digo,
mesmo sem saber se acreditas,
que nos meus lábios ainda ardem,
os últimos beijos trocados,
que nos meus dedos permanecem,
os perfumes arrancados,
a uma despedida adiada,
que nunca mais será tentada.

Tens de acreditar, meu amor,
pois eu digo,
que os ossos,
os meus ossos,
que ontem era a estrutura de um corpo a que nada faltava,
são hoje reflexos decompostos,
que carregam a carne cansada,
pela ausência, pela tua ausência.

Thursday, May 17, 2007

invento-me como poeta,
como testemunha da nuvem que passa,
do sol que fica,
da noite que me abraça,
rasgando o papel com os dedos queimados,
neste mural encerrado,
escondido entre a capa negra de um caderno com história,
onde derramo a estória,
deste amor sonhado.

aqui nesta parede branca de papel,
sou tudo o que não fui,
mais o que sou e o que me iludo ser,
escrevo até endoidecer,
até a mão arder,
fazendo as palavras girarem pelo ar,
velas desfraldadas navegando pelo mar,
uma letra naufragada que aflui,
desaguando à tua beira.

o que sou (realmente) nem a ti digo,
nem a mim que não sei,
viajei por estes anos em busca,
do mistério de uma viagem,
cheguei a ti nas asas de uma aragem,
ancorando na margem de manhã que ofusca,
e vou descobrindo toda uma galáxia,
que não sabia existir em mim,
e agora aprendo a (me) conhecer.

Tuesday, May 15, 2007

por vezes quando acordo,
e desperto para o teu corpo adormecido,
assaltam-me pensamentos silenciosos,
como o desejo de ser o prolongamento do teu olhar,
e de nada mais ser,
sem ser esse olhar,
com que me recebes pela manhã.

não ouves estes pensamentos.
Guardo-os para mim como pecados tormentos,
escutando-os em silêncio no meu íntimo,
num compromisso de sofrimento que partilho com a noite,
testemunha deste e de outros devaneios,
de tanta lágrima abafada,
por não ser esse olhar que falo.

esse que tento condensar em palavras,
solidificar no papel,
numa entrelinha de mármore amanhado,
busto escavado em bruto,
arrancado do teu útero,
onde cresce outro olhar,
o mesmo que agora me recebe pela manhã.

Monday, May 14, 2007

Os vencedores
e os ‘vencedores’

São os mesmos discursos de há 30 anos. São os mesmos vencedores. São os mesmos derrotados a cantar vitórias morais. Mas a crueldade da matemática não deixa espaço para queixinhas ou ressabiamentos.
Jardim ganhou. Foi esmagador, e provou, que aqui na Madeira, é o único que sabe fazer política - o que não é necessariamente um elogio. Provocou as eleições - sem arriscar muito, porque sabia de antemão que a vitória não fugiria ao PSD - e saiu politicamente reforçado, de um escrutínio que voltou a pôr a nu a incapacidade da oposição.
Ninguém, à esquerda ou à direita, lembrou-se das 90 mil almas que ficam em casa nos domingos eleitorais. Ninguém, a não ser o próprio Jardim, falou para elas. Ninguém entendeu que aí poderia está a diferença, que ironicamente não esteve, no caso do PSD, porque a esmagadora maioria dos abstencionistas não vota porque está descontente com as políticas jardinistas e não vê alternativa na oposição. E, pelo andar da carruagem, vai continuar a não ver.
O PS saiu das eleições como uma ténue amostra daquilo que o principal partido da oposição deve ser numa democracia. Obteve uma humilhante derrota, quase tão grande como os surreais discursos que se seguiram. O CDS - ainda sem o ‘PP’ na sigla - foi ultrapassado pela CDU, e também não viu necessidade de reflectir internamente.
À esquerda, o Bloco também perdeu. Teve o ‘mérito’ de ter sido o único partido a assumir a derrota, mas (ainda) não teve a ideia de ser Bloco. Continua a ser a ‘velhinha’ UDP. E o eleitorado que se revê nas palavras de Louça e na forma inovadora de fazer política, que cativa aquela esquerda mais urbana, preferiu votar no ‘Bexiga’ do PND. Também o MPT ganhou. Os independentes deixaram de o ser, à custa dos eleitores socialistas que não gostam de Jacinto Serrão e que fizeram questão de o demonstrar.
Resumindo: mais quatro anos de PSD, mais uma travessia no deserto para o PS.

Sunday, May 13, 2007

mil olhos incertos percorrem certa praça,
mil olhos de água vagueando pela manhã imaginada,
num ângulo a tentação,
que me escoa da mão,
e escrevo o teu nome,
sem mais nada.

Respira esse nada,
nessa certa praça,
os olhos sacodem a água,
ratos alados descem picados,
levam a dor
- deixam o teu nome -,
trazem calor, fome, amor,
estou saciado.

Deambulam parados mil rostos, mil caras
- quinhentos anos de viagem -,
parecem cansados,
pisando o xadrez de uma certa praça,
traços arrastados de uma ilha desmaiada,
deixo-me ficar à sombra do ângulo,
a escrever o teu nome.

Saturday, May 12, 2007

Stôra. Alberto rima com o quê?

"Alberto. A tua luta é a nossa. Também nós queremos o melhor para a nossa terra. Alberto. És e sempre serás reconhecido como o maior líder do povo madeirense e eles, os outros, sabem, embora não o confessem".
Os versos não são meus - os que escrevo rimam com outro nome, mais poético, mais estético -, mas duvido que sejam também dos alunos da Escola Básica do 1.º Ciclo do Santo da Serra, que Jardim inaugurou, perdão, "visitou", esta semana. E que bonito foi. O padre da paróquia benzeu a obra, pronta há seis meses. Uma escavadora abriu o apetite para o polidesportivo, prometido há três anos. E o Alexandre, o Leonardo, a Martine, o Bruno e o Dinarte declamaram poesia.
Palavras sábias e elogiosas, lidas por crianças com 10 anos, que envergonham muitos conselheiros técnicos que por aí andam, a fazer e a escrever análises políticas idóneas.
E o "maior líder" agradeceu, embevecido, o gesto despreocupado dos meninos, que usaram horas lectivas, sob o olhar atento dos professores, para bendizer aquele cujo nome "perdurará para sempre". Mas não ficou totalmente satisfeito. Falando no infinitivo - porque a "ignara" Comissão Nacional de Eleições não o deixa fazer campanha em actos públicos -, Jardim defendeu a criação de um sistema de ensino regional.
Ainda mais regional do que este, em que alunos escrevem poemas e fazem desenhos nas aulas, a enaltecer o "carácter", o "talento" e o "carisma" do presidente do Governo. Mais do que isto, só o modelo do Estado Novo ou o da Coreia do Norte. Fotografias do "líder" nas salas de aula. Hino da Região a acompanhar o hastear da bandeira no início e no final do dia. E uma palmatória, para quem não rimar.

Friday, May 11, 2007

Uma nesga de céu azul,
uma gota branca de mar,
um pedaço solidificado de vento,
trazes tudo condensado no olhar,
como quem chora um sofrimento,
rindo a cada momento,
nas asas de um pássaro migrando para o Sul.

Um líquido pálido de água,
um rasgo vermelho de sangue,
dois dedos de carne palpável,
viajas assim pela minha pele exangue,
como se amar-te fosse inevitável,
o teu beijo coisa amável,
que evapora esta despida mágoa.

Um esboço de uma manhã,
um perfume vivo de um entardecer,
um bater de asa que se ouve fugidio,
és tudo isto e o efervescer,
deste amor que se ergue esguio,
que percorre a alma afagando o frio,
fazendo esta melancólica dor descansar e esmorecer.

Thursday, May 10, 2007

O baú das coisas importantes

Tenho uns metros de terreno lá para os lados de Machico. Herança dos avós paternos, da qual o meu pai guardava, religiosamente, num baú de madeira castanha, os documentos da cadastral. Nessa caixa simples, tosca para um olhar distraído, cabiam todas as coisas importantes. Jornais antigos. Cartas que lhe fui escrevendo em letra redonda de adolescente, que hoje lamento não terem sido ditas em vez de escritas. Uma fotografia amarelecida do irmão, e uma infinita montanha de papelada que o tempo ultrapassou.
No baú das coisas importantes, sempre arrumado debaixo da cama, os dias eram congelados em momentos, quase esquecidos, mas estavam sempre disponíveis para nos lembrar que o passado existiu, o presente é reflexo dele e o futuro ganha com essa consciência. Por isso, a carta escrita com letra de adolescente, que falava de um filho que pouco falava com o pai, está agora no meu quarto. No meu baú das coisas importantes. Onde está também o postal escrito pelo amor que me ajudou, e ajuda, a ultrapassar a dor, a perda, e a viver o presente, pensando no futuro. Aquele que eu chamo de Scarlett, mas tem o nome de princesa hebraica, e respira para além da minha caixa de madeira trabalhada. No meu baú das coisas importantes, estão também, agora, os documentos dos terrenos de Machico. Onde a terra íngreme é a casa de pinheiros centenários, giestas em flor e feiteiras rasas. Não mora lá mais ninguém. O valor sentimental não é comparável à carta escrita com letra de adolescente. Até para o meu pai, que um dia, meio a sério, meio a brincar, disse-me: “Bom era sermos expropriados”. E era bom. Receber o preço “justo” que o Governo Regional paga e os tribunais “dizem” ser certo. Mas isto sou eu a falar. Que já nem sei onde ficam aqueles metros de terra. Que nunca plantei lá nada, nem pretendo construir. Que não brinquei por entre os pinheiros e giestas. Que não dediquei uma vida aquele espaço, nem o comprei por um preço mais “justo” do que o Governo Regional vai pagando, enquanto vai construindo uma ‘Madeira Nova’, esquecida do baú das coisas importantes, que o passado contém. Porque às vezes, um metro de terreno vale mais do que um simples metro de terreno.
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