Tuesday, October 28, 2008

e se eu me calasse para sempre,
de hoje para amanhã, sem mais nada,
fazendo meu o silêncio da madrugada,
quem no mundo sentiria a minha falta?
a alvorada seria assim tão diferente?

sei que é vã a palavra que desfraldo,
que se me calo não morre aí a cotovia,
canta até com melhor mestria,
esta ou outra qualquer melodia,
um poema, uma prosa, o grito alto.

tudo em mim é viagem,
em busca pelo templo da Rosa,
santuário – vejo-o agora –,
que fica aquém desta margem.

escrevo isto sem espécie de mágoa,
como um velho que vê chegar a hora,
fecha-se o mundo para ele lá fora,
guardem o meu silêncio numa gota de água.

falta fôlego, falta maré,
sou náufrago de uma folha branca,
órfão perdido num desatino de esperança.
a quem faltam palavras, falta até,
talvez um pouco de fé.

Tuesday, October 14, 2008

É a segunda vez que perco as palavras,
e a ausência é mais forte do que a primeira,
quando vi o fogo devorar as folhas desgarradas,
e as memórias subirem ao céu na esteira

de uma adolescência adiada. Agora adulto esqueci-as novamente,
na curva de uma qualquer estrada deserta,
foi na pressa de preencher esta vida dormente,
que deixei as palavras em parte incerta.

É esse silêncio que hoje trago na carne,
nos dedos uma espécie de geada,
que é ter uma alma despida que arde,

no monocromático Outono da palavra.
É preciso suicidar o silêncio, numa folha branca que guarde
para sempre, a mudez acabada.

Saturday, October 11, 2008

"Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha."

Ruy Belo

(ofereces-me poesia,
e eu devolvo-te a palavra
de quem tem mais mestria
mas a mesma paixão, por essa casa)

Friday, October 10, 2008

a tua boca é o rio onde lavo à noite a poeira do dia,
na água luminescente do teu beijo
desejo que a nossa alma nunca fique vazia
deste amor por quem versejo.

a tua boca é o rio onde me deito
abraçado à poesia efervescente que transborda
pela madrugada dentro navegando no teu peito
para de manhã amaldiçoar o dia que acorda.

a tua boca é um rio místico
fio de água de montanha
que deixa em mim uma marca, um resquício
que o corpo bebe e não estranha.

a tua boca são todos os rios
límpidos e cristalinos como o teu olhar
que imprimem na carne uma eternidade de arrepios
porque é assim o verbo amar.
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