Friday, July 27, 2007

noutro dia,
noutro dia qualquer,
quando esta noite chegar até mim,
será o teu corpo escrito na erva molhada,
da quinta imaginada pela tua criança,
que entrará aqui.

nesse dia,
ontem, amanhã,
em que viver essa noite,
os olhos fechados vão escutar,
o riso de um estrela,
dançando no teu olhar,

e o gesto de um cigarro distraído,
e o som caído de um saxofone distante,
e o ramo ondulante de uma palmeira,
e eu deitado à tua beira,
são parte dessa noite,
que vou recordar um dia.

Tuesday, July 24, 2007

desistimos das palavras,
e os gestos dormem esquecidos ao sol.
a chuva já não nos toca,
e o sal é vergonha escorrendo pela ruga.
passamos uns pelos outros como navios,
numa noite disfarçada de naufrágio,
navegando no silêncio dos rios,
como se amar fosse um estágio,
e o mar terminasse no fundo da rua.

já não olhamos a lua,
e a erva cresce sob o olhar distraído.
o brinquedo favorito quebrou-se na mão nua,
como um espelho de vidro.
continuamos a dançar,
em passos desencantados,
deixando o amor viver mascarado,
enquanto matamos essa coisa de sentir,
na pressa de nos alcançar.

amar-te é diferente,
é saber os passos da dança.
ver a erva passar de adulta a criança,
e demorarmo-nos perdidamente num beijo.

Monday, July 23, 2007

Um assessor para cada português

Numa daquelas medidas só ao alcance dos grandes estadistas, o nosso ‘primeiro’ arranjou, de uma assentada, mais 230 postos de trabalho. É verdade que será um trabalho pesado, exigente, pois ser assessor de um deputado na Assembleia da República é quase tão extenuante como ser dono de um bar de praia numa ilha deserta ou, pior, ser mesmo deputado. Mas sempre é melhor do que estar desempregado.
Por mim concordo com a medida, porque em tempo de crise, em tempo de constantes apelos ao sacrifício dos portugueses, nada melhor do que ‘desencantar’ 230 ‘tachos’ para o país continuar no bom caminho. Mais. Penso que a medida só peca por ser escassa. Apenas um assessor individual para cada deputado é muito pouco para a produtividade dos representantes da Nação.
Além de um assessor, cada deputado deveria ter direito a um canivete suíço, que dá sempre jeito ter à mão, a uns óculos escuros, para poderem dormitar à vontade no hemiciclo, a uma assinatura da ‘Sport TV’, porque o ‘Canal Parlamento’ é meio parado, e a uma bailarina exótica (ou bailarino, conforme a preferência). Tudo, em nome da eficiência.
Nós por cá, sempre superiormente à frente, já temos assessores na Assembleia. Em alguns casos, são mais do que os deputados. E temos também conselheiros técnicos nas secretarias regionais. Tantos como chuva nos Açores. Tantos, que ninguém percebe muito bem o que aconselham, mas todos sabem que recebem, e bem, por cada sábio silêncio.
Post-Scriptum 1: Qualquer ironia encontrada no texto é pura coincidência e um sinal óbvio que eu também preciso de um assessor individual ou de um conselheiro técnico, para parar de escrever estas tolices sobre a competente classe política do país.
Post-Scriptum 2: Sempre quis escrever ‘Post-Scriptum’ na página de um diário.

Saturday, July 21, 2007

Região paga abortos... no futebol

Começou bem o novo secretário regional dos Assuntos Sociais. Começou com o pé direito, bem metido na poça da hipocrisia. Os argumentos (ou a falta deles) para não apoiar social e financeiramente as mulheres madeirenses que pretendam interromper uma gravidez não desejada são, no mínimo, ridículos.
Para não dizer ressabiados, pois a derrota do ‘Sim’ na Região, porque mais que doa ao falso e bafiento moralismo madeirense de sacristia, não impede que uma lei do Estado vigore numa terra que é parte integrante do território nacional. Para não dizer obscenos, pois alegrar-se com as adolescentes que decidem levar por diante uma gravidez, é esquecer os graves problemas sociais que essa decisão - individual como também é o aborto - pode acarretar. E para não dizer requentados, pois expressões como "ataque colonial" ou "nem um centavo para a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)", já saíram da boca de outro Jardim, mas na altura a ‘despesa’ era a população de Timor-Leste.
Agora, a população é madeirense, e mais uma vez o Orçamento Regional não tem verba para ajudá-la. Em nome dos valores da sociedade. Em nome de uma Igreja Católica ultrapassada pelo tempo. Em nome de uma guerra política entre o Funchal e Lisboa que, como em todas as guerras, provoca danos colaterais apenas nos mais fracos: o povo.
Mas esse mesmo Orçamento Regional sem verba para custear a despenalização do aborto, continua, época após época, a pagar a contratação dos abortos que o Marítimo, Nacional e outros clubes tão representativos como o Grupo Desportivo Recreativo e Cultural da Casa do Povo da Fajã dos Nabos compram a pensar na Taça UEFA.

Thursday, July 19, 2007

escrevo o que desejo,
para não dizer o que penso,
porque pensar é um ensejo,
que a palavra esmorece,
e o papel absorve a marca da ideia,
o corpo arrefece no abismo da página,
e o intento desaparece sufocado pela teia,
deste português que penso,
deste desatino que falo.

mas não me calo.
calam-se as palavras,
na silenciosa vertigem de pensar,
onde não mora a gramática,
nem a linha horizontal de uma frase,
fica o êxtase das letras tombadas,
roubadas à estática do universo,
fugindo entre os dedos de um verso,
que escrevo para não pensar.

Monday, July 16, 2007

Se o mar fosse o céu,
e o céu o mar,
se a chuva fosse salgada,
como uma lágrima de sal,
e a terra um astro louco a divagar,
acreditavas em mim,
quando te digo,
que no universo nada faz sentido,
tudo isto é uma figura de estilo,
um pretexto para acordar.

Se as estrelas fossem lâmpadas arrefecidas,
e os buracos negros constelações de luz,
se alma mais não fosse do que uma espécie de cruz,
pesando com uma ideia esquecida,
ouvias-me então,
quando poetizo,
que entre o dia e a noite a diferença é a lua,
que contigo o sol não se cansa,
existe sempre uma esperança,
e uma razão para amar.

Sunday, July 08, 2007

Acordas,
um murmúrio de pólen,
um arrepio de frio,
uma língua incompreensível.
falas,
e a luz apaga o significado da palavra submersa,
de manhã não te lembras,
mas tentas,
conhecer a razão de tanto frio.
é irresistível,
esse corpo procurando-me na noite deserta,
a alma desperta que me toca na pele,
o perfume que me agita,
que alcança,
o gesto que adormece.
descansa,
o tempo é teu,
pertence-te,
todo,
eu,
nós.

Saturday, July 07, 2007

se conseguires ver para além do céu queimado pelo cometa do meio-dia, e respirares o pólen da madrugada como uma criança brincando à bola com uma gota de orvalho;
se um pequeno charco sujo pela cidade te for grato, como o límpido reflexo de um carvalho num lago de montanha, formado por um rio de neve derretida pelo calor dos teus passos;
se sentires a primavera crescer selvagem por baixo das pedras da calçada que todos os dias pisas, e, fechando os olhos, ouvires as vagas de vento atingirem as paredes do escritório, esfumando a névoa que o envolve, com o desespero de quem beija um amante arrefecido;
se tocares nos dedos da filosofia que viaja por entre o caule do arbusto ressequido pela rotina do dezoito, e leres as palavras escritas na nuvem que passa despreocupada pelo espelho de água;
se o riso desafogado da velha que pede na praça te surpreender, e conseguires encontrar poesia numa folha desprendida esvoaçando pela rua deserta;
se a beleza nua de um dia a entregar-se nos braços da noite fizer o teu dia, e, à noite, ao dormir, sonhares desperta com o quarto a explodir e a cama uma nave espacial em movimento;
se para ti o mar não for sempre azul, e a espuma um momento fugaz da cor das estrelas, mais branca que a lua, e o arco-íris uma caixa de lápis de pintar, para quem vive a preto e branco;
se o banco daquele jardim, em que tua criança escondia-se do mundo entre às páginas de um livro proibido tiver o nome do paraíso, e o universo chamar por ti num silêncio de três silabas;
então encontras-me Sara. em todo esse mistério que afaga o saltar dos dias está presente um pedaço de mim, para ti;
recebe-o como alimento, como eu me alimento do teu nome, nesta fome de navegar ao teu lado.

Tuesday, July 03, 2007

Naquele tempo era pior...

Não sei se já estou a entrar na idade - sinceramente espero que não -, mas há dias, vesti a camisola da selecção no jogo ‘FIFA 07’, juntamente com os meus sobrinhos, e comecei uma frase naquela toada em que antes ouvia sair da boca dos mais velhos. "No meu tempo, um apuramento de Portugal para uma fase final já era uma vitória, e agora ninguém exige menos do que o título". E vendo bem, a única coisa que mudou do ‘meu tempo’ - se é que já o tenho -, são as vitórias da selecção. Da de futebol, já que a de hóquei, que nunca me entusiasmou, também não é o que era.
Em 33 anos de democracia e em 21 de União Europeia - ou Comunidade Económica Europeia, como se chamava no ‘meu tempo’ - continuamos na cauda da Europa. Na cauda física, porque para alargar a ‘união’ só para Leste. Na cauda económica, porque continuamos a ser os velhos pedinchas e pelintras, que olham para Bruxelas como um tio emigrado bem sucedido, que tem a obrigação de mandar dinheiro para os que ficaram na terrinha.
Enquanto isso, vamos passando o tempo a ver se o ‘primeiro’ tem técnica de engenheiro ou é engenheiro sem técnica. Se o Berardo vai comprar o Benfica por amor ao clube ou por amor ao dinheiro. Se o Rui Costa devia ter mesmo ido ter relações sexuais com ele próprio como o magnata madeirense aconselhou em bom inglês ou se fez bem em ficar ofendido. Se dá mais jeito fechar a Portela e ter um aeroporto na Ota ou é melhor deixá-la a funcionar e construir mais uma pista noutro sítio qualquer. Se o TGV deve passar acima ou abaixo do Tejo e em quantas estações pode parar até deixar de ser um comboio de alta velocidade.
E o tempo vai passando à velocidade de um TGV, enquanto nós continuamos, à boa maneira portuguesa, a estudar os assuntos até à exaustão. A estudá-los até ficarem fora de tempo. Só espero, daqui a uns anos, quando o meu filho sentar-se a jogar ‘FIFA 37’ com os sobrinhos, eu, abraçado à minha mulher intemporal, possa dizer: "Naquele tempo era pior".
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