Thursday, November 23, 2006

Entrego estas palavras aos olhos, porque assim, escritas, não posso negar que as pensei. A crueldade das decisões está no decidir. Sentenciar apenas no que foi dito, porque para lá do horizonte finito, ninguém vê mais do que infindáveis ilusões.
Mas para mim, que habito em liberdade condicional numa cela feita de água, o Sol sempre chega em vãos suspiros. Embacia a pele da alma, e mata a calma do desejo de fugir.
E insisto – insiste-se sempre! – neste ensejo, embora a dura realidade que revejo, diga ser mais fácil segurar a mão, do que a largar e perder o beijo.
O sino da igreja do Carmo diz à chuva que é meia-noite. Pássaros de asas cortadas caem das árvores despidas, e as nuvens afastam-se para a Lua saber.

O judeu fala francês entrecortado pelo 18, que passa pela ruela, atrás da janela, numa calma tarde Sol.
Diz que a morte é a coisa banal.

O médico deserto, de olhos tombados no chão, dá curtos prognósticos, e pede desculpa pelo grutal aperto de mão.
“Soluções desesperadas não têm aqui lugar”.

O vidro está fechado, atrás do parapeito pejado de espinhos – o fim não se antecipa, espera-se.
Vê-se tudo. Apalpa-se. É real.

Wednesday, November 08, 2006



Lembras-te daquele noite em que nos sentamos à frente de um cinzeiro para conversar? Foi à beira da praça. Daquela que parece nunca ter deixado de existir? Lembras-te? Bebias cerveja por um copo alto e olhavas para a igreja, que lá fora encolhia-se do Outono. Já tinha chovido nesse dia. Muito, tudo. Talvez por isso o céu estava agora calado, e só frio lembrava que o calor era coisa do passado. Gosto de acreditar que não. Que a chuva parou de cair, para poder ler o papel que me estendeste. Que estava atenta.
- Aqui está escrito quem eu sou – Disseste, naquela branca inocência que já foi minha, desdobrando a página de um caderno cheio de estrelas.
- Não gozes – Insististe, mostrando-me as letras desenhadas a azul, com que vais acrescentando quem és. Viste a data no fundo da folha, acendeste um cigarro, e regressas-te à cã igreja, enquanto eu lia o que eras.
Lembras-te? Disseste que ias acrescentando palavras, frases, parágrafos à medida que te desvendavas. Que te descobriam. Li até ao fim, com atenção, e não gozei. Não poderia ter sido de outra forma, já que até a chuva se tinha silenciado e parecia já não fazer tanto frio assim. Poderia ter acrescentado uma mão cheia de palavras ao que tu és, e ao que sei que vais continuar a ser. Mas não. Fui egoísta, e apenas desejei ter uma folha só para mim. Podia ser sem estrelas, escrita a vermelho, mal cuidada, amarrotada, gasta pelo que fiz e principalmente pelo que ficou por fazer. Mas minha, para poder rasgá-la em mil segundos e devolvê-la à praça. Aquela, lembras-te?, que nunca vai deixar de existir.

Sunday, November 05, 2006



Expiam-se num copo sem fundo os pecados do mundo, e deixa-se a culpa ser embalada pela música. Cigarros mal amanhados sobem ao céu, deixando a dor, incorpórea, sem redenção. De manhã, com os acordes silenciados e o copo tombado, é uma lágrima, não o suor da véspera, que cai pelo rosto. Tudo regressa com mais intensidade, e acorda-se para um dia que parece ser sempre igual. Um dia que se prolonga para lá do ciclo natural de 24 horas. Que não tem fim. Onde as crianças vestem-se como adultos, e os adultos brincam aos cowboys. Onde não chegam surpresas. Um dia que se repete encravado no tempo, até que alguém abra uma janela, e deixe, finalmente, de ser domingo.

Wednesday, November 01, 2006



Um beijo é sempre um beijo, mesmo quando ensaiado para uma imagem de fim de noite. A dor reside na impossibilidade de beijar quem se quer. É entre o encontro e a ausência desse beijo - que já se deu, que falta dar... -, e não na sua forma, que o amor perdura.
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