Monday, December 24, 2007

"Sinto o frio da noite
e o som escuro da ronca.
Também o rancho de homens novos que agora passa cantando.
Sinto o carro da hortaliça
que vai batendo o empedrado
e os outros que também vão, todos direitos do mercado.
Os de casa na cozinha
junto do braseiro arde,
com o gás bem esperto já preparam o galo.
Agora olho para a Lua, que me parece lua cheia;
e eles recolhem as penas,
e já suspiram por amanhã.

Amanhã sentados à mesa esqueceremos os pobres
- e tão pobres que somos -.
Jesus já será nascido.
Olhará um momento para nós à hora das sobremesas
e depois de olhar-nos romperá a chorar."
Joan Salvat-Papasseit
in Poemário Assírio & Alvim 2007

Um presente do Natal passado, de alguém que está sempre presente
em mim

Sunday, December 23, 2007

quem quiser explicar a poesia
demore-se antes no teu silêncio
e naquela espécie de arrebatamento
que faz cantar uma cotovia.

ou então escreva sobre um vulgar fio de água
solidificado no subterrâneo de uma gaveta
qual cauda palpitante de um cometa
à espera que a tinta dê asas à sua mágoa.

mas de poesia nada diga, nada escreva
mergulhe só por entre as pausas
porque a palavra solitária não desvenda

o sentimento disforme de uma frase
naufragada por entre as águas.
porque escrever não é ser, é quase.

Friday, December 14, 2007

Procuramos a redenção
no sexo das plantas
e delas
bebemos a seiva das pedras preciosas.
O pólen é tanto
que apaga os peixes dos rios
e as asas deixam de voar
vergadas
pelo peso do ar que respiramos.
Apanhamos o comboio
e perdemos a estação
quando a eternidade
reside na palma da mão
e nos ventos alísios
que nos trazem os minerais líquidos
como líquidas são as nuvens da manhã.
Essa espécie de lágrima
fixa no céu
e o tempo passa
esquecemo-nos dele
que chega demasiado depressa
que (por isso) é tempo
que hoje já foi ontem
e que amanhã pode não chegar.
Fica o fumo em espiral de um cigarro
esmagado
evaporado à pressa
e expiramos.
Éramos crianças
e depois somos pais
(sem pai)
mas a paisagem permanece imutável
se não olharmos para ela
para o betão que floresce
e a filosofia que desvanece
numa crise de meia-idade
que a noite apaga
e a manhã devolve.
Só dançamos quando a Lua dorme
para extrairmos do sono
a química do sonho
o resto é água
e um plano
que não é nosso.

Sunday, December 09, 2007

Palmeira da minha janela,
eternidade vestida de folhagem,
veio o tempo e fez farrapos, a tua vela,
e naufragas-te por essa viagem.

Braços tombados na noite quieta,
e o jardim essa tempestade de corpos,
jaz um vaso partido na varanda deserta,
que depositou no vento, mil e um esforços.

Eleva-te agora, nessa nuvem que passa,
sobrevivente do furacão que se abateu,
porque um mito não é coisa que se desfaça,
e a tua raiz não morreu.

Palmeira da minha janela,
a tempestade já passou,
partiu na defunta caravela,
e deixou-nos sós, com este amor que ficou.

Friday, December 07, 2007

Dêem-me um coto de lápis e uma folha branca
ou um canivete para que sangre a mão
e escreva a vermelho ou a carvão
isto que a palavra de mim arranca:

a ausência queima mais do que a solidão,
porque a solidão é a ausência condensada,
que rasga a alma demasiado cansada,
pela vil consciência da razão.

mas isto que escrevo,
seja a sangue, seja a caneta,
não é mais do que um vulgar cometa,
que risca o céu num desgarrado segredo,

que todos vêem (os que olham o céu)
o risco fugaz que o atravessa
mas a tua ausência não há quem meça
a erosão que provocaria neste ilhéu.

quantifico eu, a sombra que o eclipse do teu nome
faria, neste planisfério que me pertence,
em que habitas hoje, amanhã, sempre,
alimentando o amor que me consome.

Tuesday, December 04, 2007

Ontem fui à janela e encontrei a cidade fechada,
à minha varanda não chegava mais do que o silêncio,
de uma asa que deslizava quebrada,
renascendo naquele momento.

A humanidade tinha partido sem olhar para trás,
deixando-me sozinho na minha janela,
e eu que sou barco sem arrais,
ganhei asas e desfraldei a vela.

Naveguei para lá da fogueira acesa,
deixada para que o silêncio pudesse ler,
a palavra debruçada sobre a mesa,
que a solidão matou o tempo a escrever.

Mas na pressa esqueceram-se de mim,
e daquela cotovia de asa quebrada,
que coxeia distraída pelo jardim,
de uma alma que vive desabitada.

Monday, December 03, 2007

Santiago Moura Berenguer
(o meu melhor post)
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