Saturday, April 24, 2004

amanhã, se por cá passar

É me tão estranhamente familiar esta terra em que sinto-me estrangeiro. As árvores que vejo hoje, são as mesmas de ontem, e amanhã, se por cá passar, estarão lá. Colossais, eternas, resistentes ao vento, às revoluções, eleições. Resistentes a mim, à minha raiva, ao meu ódio. A mulher que varre a estrada, que varre sem descanso as folhas que as árvores cospem, já estava cá ontem e vais estar amanhã. A vida roubou-lhe a infância e o vinho, da tasca em frente, a juventude. Restou-lhe o riso mutilado pela falta de dentes, e os olhos que varrem a rua à procura de sujidade. Olhos de criança que nunca foi, olhos que não mal se atrevem a fitar-me, quando solto um cada vez menos terno e cada vez mais despreocupado: "Bom dia Inês". Dou mais uma dezena de passos, arrasto-me mais uns metros, viro à direita, e ali está ela. Imutável, provocadora, curta, finita. A Rua dos Netos, que nunca teve avós nem vai ter filhos. Nasceu assim e amanhã, se por cá passar será assim que vai estar.

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